sexta-feira, 15 de maio de 2009

Entre flores e lembranças

O comércio associa o mês de maio às mães e às noivas. Para mim, maio representa a vovó Maria. Ela foi a mãe social do meu pai, minha avó, minha madrinha e certamente, uma das mulheres da minha vida.Ela não fazia aniversário em maio mas, é nesse mês que eu me recordo dela de uma forma muito simbólica.É em Maio que eu tiro do armário o um edredom florido, que herdei dela. E até outubro ou novembro durmo entre as flores impressionistas e as lembranças que povoaram minha infância, adolescência e alguns anos da minha vida adulta.
Mesmo na infância, sempre olho a vovó Maria numa dualidade agridoce. Ela era, ao mesmo tempo, gentil e dura. Gentil porque tinha um carinho genuíno por mim, eu sentia isso.Acho que esse sentimento existia graças à semelhança que ele sempre estabeleceu entre eu e meu pai...Esse afeto me rendeu muita atenção da vovó. Embora seu forte não fosse a criatividade, ela se esmerava para fazer bolos de aniversários mais originais a cada ano. Lembro especialmente de um deles, que tinha até a casa do Snoopy, o próprio personagem e um arco – íris em cima!Nem parece que essa avó amorosa era a mesma que, com freqüência, recebia a mim, meus pais e irmã, perguntando: “O que vocês estão fazendo aqui?”
E foi assim, entre afagos silenciosos e a sinceridade habitual da D. Maria, que eu aprendi a admirá-la. Os anos se passaram, ela envelheceu, mas ainda em seus últimos tempos, estampava uma sofisticação nata, um ar sóbrio, uma integridade inabalável e o gosto por novidades. Me divertia ao vê-la desejar eletrodomésticos arrojados. A vovó Maria gostava de tudo que estava relacionado ao estilo de vida moderno, como é típico das pessoas que são do interior.
Já na casa dos 90, ficou com a memória e a lucidez abaladas pela velhice. Em seu último ano de vida, sofreu por conta de um câncer severo. Quando a doença apertou, fui morar com ela para acompanhá-la de perto. Dia após dia, ela sucumbia à doença, perdia peso e sofria com enjôos. Mesmo debilitada pelo câncer, ela seguia altiva.
Poderia me ater às lembranças tristes e fortes da doença, do corpinho esquálido, da agonia de ligar para a casa dela todos os dias, quando chegava ao trabalho (ficava apreensiva de que alguma coisa tivesse acontecido no intervalo entre a saída de casa e a chegada ao trabalho). Poderia remoer o sofrimento da lembrança do dia em que cheguei do trabalho e já não a encontrei...Ainda dá um nó na garganta de lembrar as cenas do enterro, o momento do sepultamento e da despedida.
Mas, nem mesmo a revolta de meu pai por eu não ter ido viver com ela bem antes do que eu fui, me causa raiva e prejudica o que realmente ficou desse convívio. Hoje, com a poeira baixa, entendo que a cobrança do meu pai era a manifestação da culpa que ele carregava por não ter participado do episódio como gostaria.
No tumulto dos episódios que marcam a história de uma família, ficam meus melhores momentos com a vovó Maria. A viagem que nós duas fizemos juntas, os bolos que ela criou para mim, as fotos do meu batismo (em que ela me carregava no colo), o sotaque gaúcho ao pronunciar meu nome, os fins de semana em sua casa, as ceias de Natal com certa pompa e circunstância, o gosto por perfumes franceses e a integridade que ela também me ensinou a ter. Até novembro dormirei com você, vovó.

2 comentários:

Sandra disse...

Raquel,muito emocionante a sua história com a Vovó Maria. Em saber que quando chega o mês de maio vc se lembra dela. Como certeza de onde ela estiver, ela estará muito feliz pelo Ser Humano que vc é hoje, uma pessoa linda por dentro e por fora e muito inteligente. Parabéns pelo lindo relato. A vida é feita desses momentos simples que se tornam especiais e impagáveis.

Anônimo disse...

Querida Raquel, emocionante o seu relato como Vovó Maria. É tão bom lembrar da convivência com nossos parentes!!!!!É tão gostoso ter e conviver com avós!!!Tenho certeza que a temporada do frio será curtida deliciosamente no aconchego de tão lindo edredom!!!

Magaly