quarta-feira, 29 de abril de 2009

Fração

As vezes esqueço chaves, carteira e celular . As vezes dias de sol e feriados em seqüência me fazem esquecer coisas mais perenes: o fato de que entramos e saímos do mundo, sozinhos. A noite da última segunda - feira foi categórica e didática ao me dizer isso... Com o volume d’água despejado pela chuva intensa, fiquei sitiada dentro de uma galeria de arte. Depois de longa espera, me aventurei e tentei andar por ruas alagadas, escuras e desertas onde só carros se amontoavam num engarrafamento causado pelo fluxo natural daquela hora e pelos “rios” que se formavam a partir de bueiros entupidos.
Depois de cruzar as quatro pistas da maldita Av. das Américas, cheguei a um ponto de ônibus e me senti em um Oasis – ali avistei pessoas e pouco depois encontrei um ônibus que, com algum esforço, me deixou perto de casa. Ao saltar, caminhei por ruas devastadas pela chuva e esvaziadas pela noite. Minutos depois, cheguei em casa e todo o conforto doméstico não amenizou a sombra da solidão. Minha casa vazia foi mais opressora que as ameaças das ruas inundadas e inseguras. Entregue à solidão daquele instante, tratei de dormir para me livrar do grito daquele silêncio.
Anestesiada pelas horas de sono, acordei em paz, porque assimilei a solidão e fiz “dela” uma companhia. Quando essa transformação acontece, cessa o estranhamento.O ar vira concreto,o efêmero vira constante e, nessa condição, deixa de ser um “corpo estranho” – passa a ser parte do teu próprio corpo,da tua própria alma e se torna pedaço do teu grande mosaico interior.

domingo, 26 de abril de 2009

Certo ou errado?

Antes, já disse que Veríssimo é "o cara". Hoje, caio na redundância de dizer o mesmo.Pois, entre tantas vozes, nosso escritor admitiu publicamente que, em relação ao ex -bispo Lugo, do Paraguai, que engravidou uma humilde faxineira, há uma confusão. Para Veríssimo (e para mim), o suposto algoz é, na verdade, um grande injustiçado, já que Lugo foi leal aos preceitos da Igreja - que proíbe o uso da camisinha...
Poderia entrar em mil méritos e considerar outros aspectos dessa questão, mas vou me ater à ressalva legítima contra a política adotada pela Igreja Católica, que acaba por estimular o crescimento de um flagelo para a humanidade: a epidemia de AIDS, além da disseminação de tantas DST´s, quando se mantém contra o uso da camisinha.
Enquanto a cada 10 segundos uma pessoa contrai o vírus HIV, Bento XVI e seus seguidores fecham os olhos para a realidade e fazem de um preceito religioso uma nova guerra santa contra a própria humanidade.
E não me venham com celibato pois, a essa altura do campeonato, tudo deveria ser pormenor diante do crescimento de uma doença que diariamente mata tanta gente!

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Sua alma, sua palma

-Em tese, na ausência de "regras claras",imagina-se que um homem público deve usar suas próprias definições sobre o que é certo ou errado.Se ele considera correto usar o nosso dinheiro para a parentela se bronzear no sol da Bahia, fica a opinião pública informada sobre o que significam, em seu dicionario, as expressões "mandato parlamentar" e "interesse público" -
Pego carona na reflexão proposta pelo artigo de Luiz Garcia, através do jornal "O Globo", para falar um pouquinho sobre a polêmica da vez. Afinal, a conclusão parece a coisa mais sensata entre tudo o que foi dito acerca do uso do subsídio de passagens aéreas, por parlamentares de Brasília.
O que se viu até agora foi um festival de considerações questionáveis e uma discussão estéril sobre o verdadeiro escândalo iniciado pela descoberta de que deputado Fábio Faria (PMN - RN), usou o nosso dinheiro para bancar viagens de artistas, inclusive da ex - namorada, a apresentadora Adriane Galisteu. Apelidado de "deputado - galã" nos bastidores de Brasília, Faria foi o estopim do escândalo que sacudiu a reputação de velhos integrantes da política brasileira, como Michel Temer (que, de fato, usou o subsídio para levar parentes para a Bahia) e até mesmo do até então ileso Fernando Gabeira...
Quem acompanha o Bate e rebate, sabe que tenho motivos de sobra e até a obrigação moral de falar do assunto, visto que apoiei publicamente a candidatura de Fernando Gabeira para a prefeitura do Rio de Janeiro, há poucos meses atrás.
Enfim, penso que a postura de cada parlamentar diante dessa sujeira, vai nos mostrar aos poucos, quem ainda merece algum crédito e consequente espaço como representante popular.Agora, só nos resta acompanhar as cenas do próximo capítulo, rezar para que tudo não acabe em pizza e não esquecer quem é quem na trama que movimenta a imprensa política.
Aquele abraço!

terça-feira, 21 de abril de 2009

E.T., minha casa....

Quem me conhece sabe que sempre me vi como um E.T. Um indivíduo que vive um processo de estranhamento constante por não se identificar com as coisas e com a maioria das pessoas. A cada vez que me aproximo do “ser humano” , confirmo essa impressão.
Não sei por que cargas d’água , depois de interagir com os terráqueos por quase 28 anos, ainda me surpreendo com o fenômeno da má educação....Parece que o festival de grosserias, indelicadeza, estupidez, falta de civilidade e até de educação não consegue arrefecer meu jeito “gente inocente de ser” e, por isso, ainda alimento expectativas de lidar com pessoas minimamente civilizadas. Doce ilusão!!!!
Nas ruas, em transportes coletivos, na portarias dos prédios em que moro ou trabalho, no trânsito, em filas de portos, aeroportos, rodoviárias e até no sagrado lar, o risco de encontrar um “cão feroz” é grande. Hoje mesmo, atendi ao telefone e fiz um grande esforço para não mandar a interlocutora para PQP. A conhecida distante me liga e tem o desplante de perguntar num tom bem altivo: “Quem está falando?”. Ora, quem liga para casa ou telefone celular de alguém é que deve se identificar ou no, máximo, pedir “por favor” para falar com fulano(a)... Quando ouço essa pergunta atravessada, me apresso em devolver a questão - no mesmo tom.
Uma hora depois fui ao mercado e ....bingo!Ouvi uma gracinha de uma caixa mal educada e mal treinada. Inadvertidamente, entrei em uma fila que é preferencial para idosos, a funcionária do supermercado poderia ter me orientado numa boa, mas achou que estava na própria casa, onde ela deve estar habituada a apanhar do marido e fez o ”esforço” para “só” me tratar com ironia, dizendo “minha querida, esse caixa é para idosos!!!”, como quem camufla um palavrão....
As pessoas praticam a grosseria tão freqüentemente, que só sabem lidar com ela. Mesmo assim, fiz um esforço para manter o “nível” e dizer para a D. Irônica que se qualquer idoso estivesse atrás de mim, eu daria vez imediatamente. Não satisfeita, antes de me atender, a mesma funcionária insistiu no recado desaforado. Virei bicho, exigi que ela retirasse a ironia da conversa e falei poucas e boas. Afinal, só tem respeito, quem respeita!
Aporrinhada, parti para a locadora e peguei tantos DVD’s quanto um dia de feriado, com algum trabalho em home office permite e corri para casa, onde posso “autistar” numa boa.Bom feriado para você!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Paraíso com "prazo de validade"

A promessa de passar um feriado inteiro em Arraial do Cabo, município cujas praias estão entre as 10 mais belas do país, me encheu de entusiasmo. Embora o lugar não fosse de todo novo para mim, seria a primeira vez que eu teria a chance de ficar mais tempo por lá. Então, preparei as retinas para registrar azuis turquesas, verdes esmeraldas e tantas nuances da vegetação que emoldura praias incríveis de areia fina, firme e branca.
De fato, é possível encontrar tudo isso bem ali, há duas horas do Rio de Janeiro, sem cambiar moeda, sem encarar aeroporto, sem ter de “emplorar” por qualquer visto em passaporte, nem muito menos ter de lidar com agentes de imigração de certos países xenofôbicos...
A facilidade e beleza natural do “Paraíso do Mergulho” como a cidade é conhecida, deveriam dar à Arraial os status de “cereja do bolo”para um estado de óbvia vocação turística, como é o caso do Rio de Janeiro.É uma pena, no entanto, que os governos federal, estadual e municipal desperdicem esse potencial...Poderia ser até mais contundente e dizer que a falta de políticas públicas de turismo e urbanismo, para Arraial do Cabo, configuram a ausência do poder público e, por conseqüência, um crime ambiental que, em poucos anos, vai selar a destruição de um paraíso .
A prefeitura da cidade só é vista tarifando o estacionamento de carros, em locais completamente inadequados, por meio do trabalho de pessoas não uniformizadas e sem qualquer identificação oficial. O governo municipal se apressa em garantir recursos de um jeito fácil, mas é indiferente ao turismo predatório praticado em Arraial. Pois, até mesmo as praias mais remotas e de difícil acesso, são ocupadas por restaurantes travestidos de “quiosques” ou “barracas” que funcionam sem obedecer qualquer critério de preservação ecológica. Nas praias do município, o que se vê são restos de alimentos, latinhas de bebidas e toda a espécie de lixo poluindo o mar.
Lembro nitidamente do espetáculo de destruição que presencie na Prainha, uma faixa de areia pequena que se esconde embaixo da encosta do Morro do Pontal do Atalaia e forma uma das praias mais exuberantes de Arraial. Ali, quatro restaurantes improvisados contribuem para a agressão frequente ao meio ambiente. Em uma única tarde vi um volume grande de lixo ser levado para o mar, através da maré alta.
O problema poderia ser evitado através de campanhas educativas e da distribuição de simples sacolas para a coleta de lixo. Acontece, que nem isso é feito...
Sem falar de outras questões que comprometem a projeção, o desenvolvimento e a própria economia do município. Arraial sofre pela falta de um plano urbanístico, tem aspecto baldio e, para completar, já lida com problemas típicos das grandes cidades como assaltos e outras manifestações da miséria e aniquilamento social...
É uma pena que um lugar tão bonito esteja prestes e sucumbir ao abandono.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Síndrome de avestruz

“Quem vê cara, não vê coração” – esse é um dos ditados que desmistifica o rótulo. Poderíamos usar tantos outros para justificar a premissa de que embalagens podem ser enganosas, porque muitas vezes, são mesmo.Um exemplo disso foi uma figura que cruzou meu caminho outro dia. O cidadão me apareceu entre os passantes e, no intervalo dos vinte metros que nos separavam, conseguiu causar alguma comoção em mim. Explico: Em um calor africano, o homem simples, mas dignamente vestido carregava sua caixinha de engraxate como se fosse um trofel. A primeira vista, o camarada me vendeu a idéia de que era mais um brasileiro que faz das tripas, coração para ganhar a vida através do trabalho – literalmente – suado. Enfim, quando nos cruzamos, ele se aproximou sorrateiro. Pude perceber seu olhar ameaçador e afobado, denunciando alguma intenção escusa. Entendi que estava prestes a sofrer um assalto. O homem confirmou essa idéia quando se apressou em conferir se a caixa que eu carregava estava cheia ou vazia. Ele deu aquela paradinha apressada e logo bateu na caixa, percebendo que não havia nada dentro. Frustrado, o meliante - trabalhador apertou o passo e tratou de sumir. Mesmo sem cometer qualquer crime, o homem fez questão de não deixar rastro, assim como fazem os criminosos costumeiros, para se safar.
Ao passo que me afastava daquela rua, tentava me livrar da lembrança ruim que insistia em ganhar a minha memória.Talvez, minha pressa em fugir da situação fosse proporcional à do suposto “engraxate” que me abordou. Certamente os dois tinham o mesmo desconforto, o mesmo sentimento “incomodado”. Mesmo trabalhando com a hipótese de que aquela prática era até costumeira para o camarada, me custa acreditar que o cara que sai de casa vestido como um trabalhador, para ganhar a vida com seu honroso trabalho de engraxate, se sinta feliz com tentativas errantes...Então, se somos dois operários – eu, uma operária das letras e ele dos sapatos, devo ponderar que além de qualquer falha de caráter, há um enorme descuido do Estado... Admiro,honestamente, gente humilde que desce o morro e garante o próprio sustento com honradez . São pessoas brilhantes porque a despeito de todas as adversidades, preservam o único bem: o próprio nome. Mesmo assim, cabe olhar pelo retrovisor da história e lembrar que o Brasil sempre teve poderosos que fingiam não enxergar a imensa bola de neve de miseráveis que crescia nas cidades satélites, subúrbios e favelas. Como os governos, nossas elites e até mesmo a classe média insiste em sofrer de uma eterna “síndrome de avestruz”, para justificar um astigmatismo social que nos impede de ver o que as estatísticas do crime mostram: há uma massa sendo vencida pela miséria, entregue à própria sorte, sem qualquer assistência, pedindo socorro...