quarta-feira, 1 de abril de 2009

Síndrome de avestruz

“Quem vê cara, não vê coração” – esse é um dos ditados que desmistifica o rótulo. Poderíamos usar tantos outros para justificar a premissa de que embalagens podem ser enganosas, porque muitas vezes, são mesmo.Um exemplo disso foi uma figura que cruzou meu caminho outro dia. O cidadão me apareceu entre os passantes e, no intervalo dos vinte metros que nos separavam, conseguiu causar alguma comoção em mim. Explico: Em um calor africano, o homem simples, mas dignamente vestido carregava sua caixinha de engraxate como se fosse um trofel. A primeira vista, o camarada me vendeu a idéia de que era mais um brasileiro que faz das tripas, coração para ganhar a vida através do trabalho – literalmente – suado. Enfim, quando nos cruzamos, ele se aproximou sorrateiro. Pude perceber seu olhar ameaçador e afobado, denunciando alguma intenção escusa. Entendi que estava prestes a sofrer um assalto. O homem confirmou essa idéia quando se apressou em conferir se a caixa que eu carregava estava cheia ou vazia. Ele deu aquela paradinha apressada e logo bateu na caixa, percebendo que não havia nada dentro. Frustrado, o meliante - trabalhador apertou o passo e tratou de sumir. Mesmo sem cometer qualquer crime, o homem fez questão de não deixar rastro, assim como fazem os criminosos costumeiros, para se safar.
Ao passo que me afastava daquela rua, tentava me livrar da lembrança ruim que insistia em ganhar a minha memória.Talvez, minha pressa em fugir da situação fosse proporcional à do suposto “engraxate” que me abordou. Certamente os dois tinham o mesmo desconforto, o mesmo sentimento “incomodado”. Mesmo trabalhando com a hipótese de que aquela prática era até costumeira para o camarada, me custa acreditar que o cara que sai de casa vestido como um trabalhador, para ganhar a vida com seu honroso trabalho de engraxate, se sinta feliz com tentativas errantes...Então, se somos dois operários – eu, uma operária das letras e ele dos sapatos, devo ponderar que além de qualquer falha de caráter, há um enorme descuido do Estado... Admiro,honestamente, gente humilde que desce o morro e garante o próprio sustento com honradez . São pessoas brilhantes porque a despeito de todas as adversidades, preservam o único bem: o próprio nome. Mesmo assim, cabe olhar pelo retrovisor da história e lembrar que o Brasil sempre teve poderosos que fingiam não enxergar a imensa bola de neve de miseráveis que crescia nas cidades satélites, subúrbios e favelas. Como os governos, nossas elites e até mesmo a classe média insiste em sofrer de uma eterna “síndrome de avestruz”, para justificar um astigmatismo social que nos impede de ver o que as estatísticas do crime mostram: há uma massa sendo vencida pela miséria, entregue à própria sorte, sem qualquer assistência, pedindo socorro...

2 comentários:

Fabio Machado disse...

Muito bem escrito ! Preciso dar um cunho um pouco mais social ao meu blog. Você me inspirou...

Fica bem !

Fabio.

Fabio Machado disse...

Como eu disse, você me inspirou e eu tentei escrever um reclame disfarçado...

Ficou razoável, com alguns errinhos de português que eu fiquei com preguiça de corrigir.

É assim que começa !

Fica bem !

Fabio.